Região que concentra maior número é o Nordeste
O Censo Demográfico 2022 mostrou que a população quilombola residente no Brasil é de 1.327.802 pessoas, correspondendo a 0,65% da população. Há 1.696 municípios com população quilombola e 473.970 domicílios particulares permanentes com moradores quilombolas. Dados da pesquisa Censo 2022 – Quilombolas: Primeiros Resultados foram divulgados nesta quinta-feira (27) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A região que concentra a maior quantidade é o Nordeste, com 905.415 quilombolas, correspondendo a 68,2% da população quilombola, seguida do Sudeste com 182.305 pessoas e o Norte com 166.069 pessoas, ambas contabilizando 26,24% da população quilombola. Com 5,57% da população quilombola, as regiões Centro-Oeste e Sul têm 44.957 e 29.056 pessoas, respectivamente.
A Bahia é o estado com maior quantitativo de população quilombola – 397.059 pessoas –,o que corresponde a 29,90% da população quilombola recenseada. Em seguida vem o Maranhão, com 269.074 pessoas, o que corresponde a 20,26% da população quilombola recenseada. Somando a população quilombola da Bahia e do Maranhão, tem-se 50,17% da população quilombola concentrada nesses dois estados. Roraima e Acre não têm presença quilombola.
Dos 5.568 municípios brasileiros, 1.696 tinham moradores quilombolas. Senhor do Bonfim (BA) destaca-se por ser o município com a maior quantidade absoluta de pessoas quilombolas, com 15.999, seguido de Salvador, com 15.897, Alcântara (MA) com 15.616 e de Januária (MG) com 15 mil pessoas.
Segundo Marta Antunes, responsável pelo Projeto de Povos e Comunidades Tradicionais do IBGE, a distribuição geográfica dos quilombos tem vínculo com todo o processo de colonização e escravização, mas também com a resistência a essa situação histórica que levou a várias ocupações territoriais com concentração perto e ao longo dos rios.
“A população quilombola se identifica não só pelo processo de escravização, mas principalmente pela resistência à opressão histórica como está no Decreto 4887”, disse.
Do universo de 72,4 milhões domicílios particulares permanentes ocupados recenseados no Brasil, 473.970 têm pelo menos um morador quilombola, correspondendo a 0,65% dos domicílios do país. Nas residências onde há pelo menos uma pessoa quilombola, a média de moradores é mais alta (3,17) do que no total de domicílios do país (2,79).
No universo das pessoas quilombolas residentes no país, as pessoas localizadas nos 494 territórios quilombolas oficialmente delimitados representam 12,59% dessa população (167.202 pessoas), de modo que 1.160.600 (87,41%) pessoas quilombolas encontram-se fora de áreas formalmente delimitadas e reconhecidas.
Arte/Agência Brasil
Amazônia Legal
Questionário básico com pergunta específica para localidades quilombolas – Tânia Rêgo/Agência Brasil
Foram contabilizadas 426.449 pessoas quilombolas nos municípios da Amazônia Legal, o que representa 1,60% da população residente total da região, sendo 32,11% do total da população quilombola residente no Brasil.
Foram recenseados 80.899 quilombolas residindo em territórios oficialmente delimitados, o que representa 48,38% da população quilombola nacional residindo em áreas oficialmente delimitadas, o que mostra um maior avanço do processo de regularização fundiária na Amazônia Legal em relação ao restante do país.
A presença da população quilombola residente na Amazônia Legal nos territórios oficialmente delimitados é superior ao cenário nacional: enquanto na Amazônia Legal 18,97% da população quilombola reside em territórios delimitados, para o conjunto do país esse percentual é de 12,59%
“Pela primeira vez em um levantamento censitário brasileiro, a população quilombola foi identificada, enquanto grupo étnico, no mais importante retrato demográfico, geográfico e socioeconômico do país”, disse, em nota, o presidente substituto do IBGE, Cimar Azeredo.
A coleta de informações contou com o apoio das lideranças comunitárias quilombolas, que atuaram no apoio ao mapeamento das comunidades e como guias para os recenseadores, garantindo que todos os territórios fossem visitados.
Para quilombolas, Censo 2022 fortalece a reivindicação por direitos
Foi a primeira vez que o IBGE contabilizou a população quilombola
A divulgação dos dados do Censo Demográfico 2022 referente aos quilombolas nesta quinta-feira (27) é celebrada por lideranças de diferentes organizações e entidades. A expectativa é de que o levantamento contribua para retirar essas populações da invisibilidade e fortaleça reivindicações por garantia de direitos e acesso a políticas públicas. No entanto, ao mesmo tempo em que classificam o momento como “histórico”, essas organizações apontam questões que precisam ser melhoradas em futuros levantamentos.
Esta foi a primeira vez que um Censo Demográfico contabilizou a população quilombola. Segundo os dados, são 1.327.802 de quilombolas no país, o que corresponde a 0,65% da população brasileira. Os resultados também mostram que essa população está distribuída por 1.696 municípios.
A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) considera a divulgação deste recorte do Censo uma conquista do movimento quilombola. “Estamos muito felizes de vencermos essa etapa. Esperamos reconhecimento em todas as esferas, tanto municipal, como estadual, como federal. Diante de um dado oficial, esperamos que os diversos órgãos nos reconheçam e nos deem acesso às políticas públicas”, disse José Alex Borges, coordenador executivo da Conaq.
Ele aponta que houve dificuldades relacionadas a cortes de recursos financeiros e recursos humanos, dificultando a contagem nos diferentes territórios, mas destaca a importância do levantamento.
“É um instrumento legal. Nós temos inúmeros levantamentos feitos pelo movimento quilombola. Mas não é oficial. A partir de agora teremos esses números oficiais e poderemos cobrar dos governantes recursos e políticas públicas para nos atender”.
Censo
Recenseador do IBGE entrevista moradora da comunidade quilombola de Pedra Bonita, no Alto da Boa Vista – Tânia Rêgo/Agência Brasil
O Censo Demográfico é a única pesquisa domiciliar que vai a todos os municípios do país. As informações levantadas subsidiam a elaboração de políticas públicas e decisões relacionadas com a alocação de recursos financeiros. Embora o Brasil realize uma operação censitária a cada dez anos, esta é a primeira edição a incluir no questionário um quesito para identificar os quilombolas.
O Censo 2022 deveria ter sido realizado em 2020, mas foi adiado duas vezes: primeiro devido à pandemia de covid-19 e depois por adversidades orçamentárias.
Os primeiros resultados com os dados gerais da população foram apresentados no final do mês passado revelando um país com 203 milhões de residentes. A divulgação nesta quinta-feira (27) das informações referentes aos quilombolas já estava agendada desde a semana passada. No dia 7 de agosto, serão apresentados os resultados do levantamento dos residentes indígenas.
Invisibilidade
Cavalcante (GO) – Quilombo Kalunga – Dois acordos celebrados pela Advocacia-Geral da União (AGU) garantiram a posse imediata à comunidade quilombola Kalunga das fazendas Fonte das Águas, com área de 6,5 mil hectares, e da Fazenda Vista Linda, – Weverson Paulino
Morador do Quilombo do Cumbe, em Aracati (CE), o educador popular, João Luís Joventino do Nascimento avalia que o Censo deve tirar essas populações da invisibilidade. Em 2021, o município chegou a negar à sua comunidade o acesso prioritário à vacinação contra a covid-19, que era garantido pelo Plano Nacional de Imunização (PNI). Na época, a Defensoria Pública acionou a Justiça pelo reconhecimento do direito.
“Através do Censo, podemos ter um diagnóstico da situação de cada comunidade quilombola do Brasil. Vamos ter informação de quantos somos e como vivemos. O Censo também nos ajudará a silenciar gestões municipais que insistem em dizer que nós não somos quilombolas”, diz João Luís.
O educador espera também que a divulgação dos resultados possibilite um avanço das políticas públicas. “Especialmente no que diz respeito à questão fundiária, porque o acesso à terra e ao território é uma questão primordial. A luta pela terra e pelo território é a mãe de todas as lutas. Dela deriva a luta pela construção de escolas quilombolas, pela educação diferenciada, pela saúde, pela agricultura e pela soberania alimentar”.
Essa é também a aposta de Eulalia Ferreira da Silva, do Quilombo Pedra Bonita, encravado em um dos quatro setores do Parque Nacional da Tijuca, no Rio de Janeiro. No território fica a rampa de voo livre de onde turistas e adeptos de esportes radicais saltam de asa delta ou de parapente para apreciar uma visão única da capital fluminense antes de aterrissar na Praia de São Conrado. Mesmo estando localizada em uma capital, a comunidade ainda não tem energia elétrica.
“Foi super importante a chegada do IBGE no nosso quilombo. Eu fiquei muito emocionada em receber aqui. Acredito que junto com o IBGE, outros serviços públicos vêm a reboque como água, luz, saneamento básico, vacina, entre outros. Trata-se de reconhecimento. Eu existo, eu vivo aqui, eu defendo esse território. Meus pais defenderam esse território para ninguém invadir e para manter preservado. E nós não temos esse reconhecimento”, afirma Eulalia.
Brasília (DF) – A advogada da Conaq, Vercilene Francisco Dias, é a primeira mulher quilombola mestre em Direito no Brasil. Foto: OAB/GO – Foto: OAB/GO
Nascida no Quilombo Kalunga, em Cavalcante (GO), a advogada Vercilene Dias também celebra o momento. “Sem saber quem são e onde estão, fica difícil especificar políticas públicas para uma população. Então é muito importante essa visibilização, ainda que não seja um número 100%”.
Assessora jurídica da Conaq, Vercilene pondera que se trata de um primeiro levantamento com algumas limitações e que é preciso discutir determinadas questões para as futuras pesquisas.
“O quesito quilombola só aparecia no questionário onde houvesse comunidades quilombolas. Em 2019, o IBGE fez um levantamento preliminar para saber a localização dessas comunidades. Em razão disso, muitos quilombolas que moram nas cidades ficaram sem ser contabilizados. Eu sou um exemplo. Hoje eu moro em Brasília. Para abrir o quesito quilombola, eu teria que estar na minha comunidade, na casa dos meus pais, no dia que a equipe do IBGE passou lá”, observou.
Desafios
Cavalcante (GO) – Quilombo Kalunga – Dois acordos celebrados pela Advocacia-Geral da União (AGU) garantiram a posse imediata à comunidade quilombola Kalunga das fazendas Fonte das Águas, com área de 6,5 mil hectares, e da Fazenda Vista Linda, – Weverson Paulino
No período colonial, os quilombos eram definidos como comunidades formadas por pessoas negras que resistiram à escravidão e haviam fugido. Embora esse conceito tenha sido reproduzido por muitos anos, houve nas últimas décadas um movimento em busca de uma redefinição a partir da perspectiva antropológica.
Hoje, diferentes pesquisadores observam que muitas dessas comunidades originais foram extintas ao longo do tempo, por pressões de diversas naturezas: sociais, culturais, demográficas, econômicas, etc. Essas populações que passaram por esse processo acabaram se dispersando para novos territórios, dando origem a outros arranjos comunitários.
No Dicionário do Patrimônio Cultural do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a definição do verbete quilombo é assinada pela antropóloga Beatriz Accioly Vaz. Segundo ela, houve uma apropriação do termo pelos movimentos sociais camponeses mobilizados e organizados em torno do fator étnico. Eles promoveram um rompimento com a definição do quilombo a partir de uma perspectiva “passadista”, abarcando a diversidade e a dinâmica dessas populações ao longo do tempo.
“Contemporaneamente, portanto, o termo quilombo não se refere a resíduos ou resquícios arqueológicos de ocupação temporal, ou de comprovação biológica. Também não se trata de grupos isolados ou de uma população estritamente homogênea. Da mesma forma, nem sempre foram constituídos a partir de movimentos insurrecionais ou rebelados, mas, sobretudo, consistem em grupos que desenvolveram práticas cotidianas de resistência na manutenção e reprodução de seus modos de vida característicos e na consolidação de um território próprio”.
Em entrevista à TV Brasil, o historiador e cientista político Wallace Moraes, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, avaliou que o cenário ainda é desafiador para a luta pelo reconhecimento dessas populações. “Ainda não há uma política concreta e efetiva para reconhecimento dos territórios quilombolas. Isso é mais do que urgente, inclusive por justiça para esses povos que resistiram à escravização”.
Segundo ele, o período recente foi de retrocesso. “Os quilombos existem desde quando existe escravização de corpos negros neste país. Ocorreu a escravização de africanos trazidos para cá para produzir riqueza para os colonialistas. Então grande parte dos negros se revoltaram e formaram quilombos. No século 20, houve algum reconhecimento desses quilombos enquanto legítimos. Mas nos últimos quatro anos, houve uma total paralisação do reconhecimento dessas comunidades em função da política estabelecida pelo governo anterior conduzido”.
Arte/Agência Brasil
Via Agência Brasil