Na cidade de Santa Isabel do Rio Negro, a Universidade Federal do Amazonas promoveu a
solenidade para formatura de 28 novos professores da Licenciatura Indígena Políticas
Educacionais e Desenvolvimento Sustentável, do Instituto de Filosofia, Ciências Humanas e
Sociais (IFCHS). A solenidade faz parte de um cronograma de outorgas que acontecerão, ainda,
em São Gabriel da Cachoeira e Maturacá, aos pés do Pico da Neblina.
Situada a 631 quilômetros de distância em linha reta de Manaus, Santa Isabel do Rio
Negro é um dos municípios amazonenses com um dos maiores números de etnias catalogadas
na Fundação Nacional do Índio (Funai). Ao todo, são 22 identificadas ao longo de toda
extensão da calha do Médio Rio Negro. Na formatura, parte delas foi representada por cada
por um respectivo cocar, fosse da etnia baré, tukano, dessana, carapanã ou baniwa.
Durante a cerimônia, em que a mesa foi presidida pelo reitor, professor Sylvio Puga, a
representatividade indígena se deu também pela liderança da Federação das Organizações
Indígenas do Rio Negro, Marivelton Rodrigues Barroso, a Foirn, uma estrutura não
governamental que somou-se à Ufam e estabeleceu parceria com a Prefeitura de SIRN, gerida
por José Ribamar Fontes Beleza, para juntos viabilizarem a oferta de módulos deste curso de
formação de nível superior.
Além deles, estavam também à mesa, a diretora do IFCHS, professora Iraildes Caldas Torres, a
paraninfa da turma, professora Veridiana Vizoni Scudeller, o coordenador do curso de
Licenciatura, professor Nelcioney José de Souza Araújo, o coordenador regional da Caibrim,
Carlos Alberto Teixeira Nery, a primeira dama do município, Sâmia de Oliveira Sanches e a
coordenadora regional da Secretaria de Estado da Educação (Seduc), professora Fecimar
Fatim. O padre Justino Resende foi quem deu nome à turma, tendo sido o homenageado.
“Esse curso se tornou muito importante pra nós, que somos originalmente da Calha do Médio
Rio Negro. As nossas lutas sempre foram intensas e poder participar e concluir esse curso, que
foi todo ministrado na nossa língua (yêgatu, língua geral), é simbólico. Agradecemos ao
movimento indígena por seu compromisso de promover a nossa defesa e a do nosso território.
Agradecemos também ao reitor, professor Sylvio Puga, pela disponibilidade e por atender
nosso anseio, apoiar e oferecer oportunidades ao nosso povo através da Universidade”, disse a
oradora Cleocimara Reis Gomes, que ainda rendeu homenagem aos professores e
coordenadores do curso de Licenciatura que faleceram durante a pandemia de covid-19. “Os
últimos dois anos trouxeram perdas dolorosas: as dos coordenadores, professores Frantomé
Bezerra Pachêco e em seguida, do professor Luiz Fernando de Souza Santos. Mais
recentemente, perdemos o professor Higino Tenório. Com os que se foram e com o quadro
docente que nos acompanhou até a conclusão, aprendemos muito e somos gratos pelo
conhecimento transmitido, mas também pela ajuda no resgate da nossa ancestralidade”,
rememorou a oradora. A ela, antecederam os juramentistas Cleide de Oliveira Rocha
(juramento em português) e Celestino Lúcio Bruno, que proferiu o juramento em yêgatu.
Os pronunciamentos se seguiram com o do professor coordenador da Licenciatura e o da
paraninfa. Ambos chamaram a atenção sobre o processo necessário de apreensão do
conhecimento, seguida da prática para formação cidadã e luta em prol dos povos originários.
“Foram muitos os desafios impostos do início ao fim do curso, mas em todos os momentos
vocês tiveram o apoio incondicional da reitoria, que mesmo com tantos contratempos buscou
soluções para sanar problemas e garantir que vocês teriam aulas ministradas. E aqui, vale
enaltecer, igualmente, nomes como os dos professores Dulcineia da Silva Lira, Orlandino,
Raimundo Nonato Pereira da Silva, Ivani Farias, entre outros, que iniciaram este processo com
bravura. Outro ponto importante cujo espectro deve ser observado é sua identidade e a
defesa dela. Leiam legislações de modo que possam transmiti-las em sala de aula. O exemplo
que deixo é o do Marco Temporal, prestes a ser votado. Leiam sobre ele, leiam a Constituição
Federal, apoderem-se desses assuntos, afinal ninguém defende o que não conhece e vocês,
como professores, são os porta-vozes em suas comunidades.
A paraninfa, professora Veridiana Vizoni, chamou a atenção para o momento em que a ciência
tem sido acionada mas pouco valorizada. “Vocês têm papel fundamental no combate a esse
tipo de conduta, porque conhecimento é emancipação. Valorizar a sua língua e a
especificidade do seu povo são meios de combater toda violência contra quem defende a
Amazônia. Há diversas formas de resistência e transmitir conhecimento é uma delas”,
ressaltou a homenageada.
Para o presidente da Foirn, a colação de grau é um momento oportuno para relembrar a
caminhada. “Nunca foi fácil, muitos foram os percalços, internos e externos à Universidade e
alheios à nossa vontade e o reitor e o atual coordenador não esmoreceram para que enfim,
estivéssemos aqui. Em breve, nós acreditamos, atenderemos junto com a Ufam a outras
etnias, que também nos demandaram e estamos articulando para que enfim seja possível.
Agradecemos à Ufam porque a educação está sendo encaminhada e entendemos que outras
questões precisam avançar também, como a demarcação de terras e o desenvolvimento nas
nossas terras, que precisa ser sustentável. Junto à Ufam, vamos adiante. Aos que estiveram
conosco nessa luta, os que estão e permanecerão ao nosso lado nessa batalha”, afirmou o
presidente.
A atual diretora do IFCHS, professora Iraildes Caldas Torres, discorreu sobre o quanto a
educação é libertadora do espírito, da alma e leva o indivíduo ao desenvolvimento sob
diversas nuances. “Lançar os raios sobre a educação fortalece o princípio da equidade e
inclusão numa sociedade em que as oportunidades não são as mesmas para todos. Aqui,
estamos há mais de três décadas, desde 1990, diante de uma política afirmativa de resgate de
dívida que perdura há mais de 500 anos. A Ufam aceitou o desafio de estender sua missão até
o Alto Rio Negro, o que pressupõe a compreensão do outro, suas aspirações em busca de
desenvolvimento e responder a esses anseios. Nessa troca, é muito rico o que nós,
professores, aprendemos no convívio com diante desse acervo cultural, o mais valioso para a
própria ciência e para o desenvolvimento regional”, disse. “Essa é uma turma de professores
que vai levar adiante a junção de conhecimentos tradicionais e científicos, que vai permitir o
desenvolvimento social e o individual”, considerou.
O prefeito de SIRN, José Ribamar Fontes Beleza, reiterou a parceria com a Ufam e a
manutenção do apoio às ações da Ufam frente à educação indígena. “Continuem contando
com o nosso apoio para levar a educação às comunidades. Ficamos felizes em saber que o
nosso quadro de professores está mais qualificado frente às especificidades da nossa região”,
disse.
Encerrando os pronunciamentos, o reitor reafirmou compromissos com a educação indígena.
“Essa formatura não é uma colação de grau tradicional. Formar fora da capital é algo
diferenciado, especialmente quando essa outorga é no Alto Rio Negro, onde se encontra a
maior parte da nossa população indígena do estado e no País. É desafiador. Entretanto,
aproveito a oportunidade para reiterar que continuaremos o nosso curso de Licenciatura”,
garantiu o reitor. “Quanto a vocês, os novos profissionais, vocês estão num ponto de partida e
não mais no de chegada. Estão aptos a alçar voos ainda mais altos, fazer mestrado, doutorado,
prestar concursos…A partir de agora, colaboram com mais qualificação na educação do
município e na formação acadêmico-social da sua comunidade”, disse.
Ao finalizar seu pronunciamento, o reitor também prestou homenagens aos professores
Frantomé Bezerra Pachêco, Luiz Fernando de Souza Santos e Higino Tenório. Igualmente o fez
com o atual coordenador do curso, professor Nelcioney Araújo, “que assumiu o compromisso
de, diante de tantos desafios, especialmente no período pandêmico, manter um constante
diálogo com a reitoria e lideranças indígenas para equacionar pendências que colocavam o
curso em risco”, frisou.
Incursão à comunidade indígena
Durante a passagem da comitiva da reitoria pelo município de Santa Isabel do Rio
Negro, a comunidade do Cartucho integrou a programação de visita. Foi aquela comunidade
que recebeu o corpo docente da Universidade para promoção do curso de Licenciatura.
Situada a 1h30 de voadeira da sede de SIRN e aproximadamente 7 horas de distância de
rabeta (embarcação menos potente e de menor porte), Cartucho reúne pouco mais de 30
famílias e seis etnias, em sua maioria, tukano. Também é dessa comunidade, boa parte dos
alunos formados e que agora estão aptos a lecionarem para seu povo e comunidades no
entorno. O local conta com internet por cabeamento e em breve. Na chegada da comitiva, o
grupo recepcionou reitor e equipe, além de representantes da Foirn e Prefeitura de Santa
Isabel, com música e palavras de agradecimento, e também ratificou os pedidos de
manutenção de ações em prol de novas atividades educacionais de formação. Atualmente, a
comunidade do Cartucho é liderada por duas mulheres, Ivania Guerreiro Baltazar e Aida
Oliveira dos Santos, ambas da etnia baré.
