BRASIL

Massacre de Haximu completa 30 anos em agosto. “Novo genocídio yanomami deve ter punição”, diz procurador de Haximu

Chacina de yanomami teve primeira condenação por genocídio no país

Na manhã de 23 de julho de 1993, um grupo de garimpeiros entrou na aldeia yanomami de Haximu, na fronteira da Venezuela com o Brasil, e assassinou 12 indígenas. Entre as vítimas, havia adolescentes, crianças e um bebê. Todos mortos a tiros ou a golpes de facão.

A chacina não aconteceu de repente. Ela foi construída ao longo de um atrito crescente entre os garimpeiros e a comunidade yanomami.

A relação entre os dois grupos não era amistosa e, em junho, os garimpeiros decidiram fazer uma emboscada no meio da mata e mataram quatro homens yanomami.

Em retaliação, os indígenas fizeram um ataque ao acampamento do garimpo e mataram um dos homens. A partir daí, os garimpeiros decidiram se vingar contra a comunidade yanomami que vivia na aldeia de Haximu, localizada no lado venezuelano.

A maioria dos homens estava fora da aldeia, participando de uma festa em outra localidade, quando os garimpeiros chegaram a Haximu para promover a matança. No total, foram mortos um homem idoso, três mulheres (entre elas duas idosas), três adolescentes, quatro crianças e um bebê. Vários outros ficaram feridos.

Os crimes só chegaram ao conhecimento das autoridades em agosto daquele ano, quando sobreviventes deixaram Haximu, chegaram a outra aldeia da comunidade de Homoxi, já no lado brasileiro da fronteira, e relataram tudo ao tuxaua (chefe indígena) local.

A informação chegou à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e à Fundação Nacional da Saúde (Funasa). Posteriormente foi noticiada por veículos de imprensa e começou a ser investigada pela Polícia Federal (PF).

Sem saber que Haximu ficava na Venezuela, a PF foi até o local e começou a investigação. Dos 12 corpos do massacre, onze já tinham sido cremados, conforme costume do povo yanomami.

O corpo de uma jovem não foi cremado porque ela era originária de outra comunidade e estava apenas de visita à aldeia de Haximu. Como não havia parentes próximos da vítima para participar do processo de cremação, seu corpo foi poupado e os policiais puderam encontrar sua ossada.

Com base na perícia feita nos restos mortais e nos relatos dos sobreviventes, os investigadores puderam comprovar que a morte havia sido provocada por disparos de armas de fogo.

Julgado no Brasil

Mesmo tendo ocorrido em solo venezuelano, o crime envolveu garimpeiros brasileiros que fugiram para o Brasil depois do massacre e alguns foram presos. Por isso, o caso foi julgado aqui no país e acabou sendo tipificado como genocídio.

Segundo Luciano Mariz Maia, um dos procuradores que atuaram no caso que hoje é subprocurador-geral da República, os garimpeiros quiseram eliminar os indígenas pelo fato de serem yanomami. “Não havia nada de pessoal contra aquelas vítimas, não distinguiam uma vítima da outra. Garimpeiros se reuniram numa coletividade para matar índios yanomami como uma coletividade”, explica Maia.

Vinte e quatro garimpeiros foram denunciados pelo crime, mas como as investigações só conseguiram identificar plenamente cinco deles (os demais eram conhecidos apenas por apelidos), só parte dos responsáveis foi condenada.

“Esse foi o primeiro caso em que as Cortes brasileiras condenaram uma cena de genocídio. Cinco acabaram sendo condenados. Esse caso foi sentenciado pelo juízo federal em Roraima [em 1996]. A sentença foi anulada pelo Tribunal da 1ª Região [TRF1], ao argumento de que seria crime doloso contra a vida e portanto competência do Tribunal do Júri. Houve uma apelação e o Superior Tribunal de Justiça [STJ] cassou esse acórdão, alegando que o genocídio é um crime diferente de homicídio e, portanto, de competência do juiz singular. E essa decisão foi confirmada pelo Supremo Tribunal Federal [STF]”, afirma.

Segundo Maia, antes da chacina dos yanomami outro caso de genocídio indígena já havia sido denunciado à Justiça brasileira, o Massacre da Boca do Capacete, no Amazonas, ocorrido em 1988, que resultou na morte de quatro indígenas e no desaparecimento de outros dez, todos tikuna. Mas nesse caso as condenação dos envolvidos veio apenas em 2001, sendo que em 2004 o madeireiro Oscar Castelo Branco, condenado como mandante do crime, foi absolvido e as penas dos condenados como executores do genocídio foram reduzidas de períodos que variavam de 15 a 25 anos para 12 anos e, por unanimidade, a redução foi estendida aos outros acusados que não apelaram de sua sentença ou que desistiram das apelações.

Novo genocídio yanomami deve ter punição, diz procurador de Haximu

Luciano Mariz Maia diz que é preciso punir todos responsáveis

Há 30 anos, 12 índios yanomami foram assassinados por garimpeiros na aldeia de Haximu, na fronteira entre o Brasil e a Venezuela. Cinco dos responsáveis pelo massacre foram denunciados e condenados por genocídio, naquela que seria a primeira condenação por esse crime no país.

Hoje subprocurador-geral da República e professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Luciano Mariz Maia atuou como um dos três procuradores da República responsáveis pela denúncia que resultou na condenação dos garimpeiros.

Para Maia, a situação atual dos yanomami pode ser considerada genocídio. A Polícia Federal (PF), inclusive, já abriu inquérito para apurar o cometimento deste crime na terra indígena.

Surucucu (RR), 10/02/2023 - Equipe da Polícia Federal embarca para investigação de mortes no território Yanomami com apoio do Exército, Funai e Força Nacional, em Surucucu. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Equipe da Polícia Federal embarca para investigação de mortes no território Yanomami com apoio do Exército, Funai e Força Nacional, em Surucucu – Fernando Frazão/Agência Brasil

“Afirmo, sem medo de errar, que a linha de investigação da Polícia Federal de que possa estar em curso atos genocidas é absolutamente consistente, na modalidade de submeter intencionalmente um grupo a condições de subsistência que conduzam à sua extinção total e parcial. Essa é uma das hipóteses prevista tanto na nossa lei do crime de genocídio quanto na convenção das Nações Unidas contra o genocídio”, explica o jurista.

Destruição

Segundo Maia, os milhares de garimpeiros que atuam ilegalmente na terra dos yanomami causam grande destruição ao ambiente, com ações como o lançamento de metais pesados nos rios da região, contaminando suas águas. 

“Isso impede muitas comunidades de ter acesso à água e aos alimentos que vêm dos rios. [Além disso], eles afugentam as caças daquela região e causam atritos diretos [com os yanomami]”. Maia destaca ainda os estupros cometidos por garimpeiros contra jovens yanomami.

Segundo o sub-procurador, no entanto, não basta identificar e punir os responsáveis diretos pelos crimes como também os agentes públicos e políticos que permitiram ou estimularam que a situação chegasse a esse ponto.

“[É preciso punir] não só os garimpeiros que estão lá, como também aqueles que permitem que eles estejam lá, sejam eles do setor privado, como essa cadeia do tráfico do ouro, de fornecimento de suprimentos pro garimpo, essa rede de transporte aéreo, os que fornecem informações por satélite ou por rádio. Mas também agentes públicos e políticos cujo discurso, prática, ação ou omissão permitiram esse estado de destruição”.

O subprocurador afirma que, no governo anterior, havia um estímulo oficial para que os garimpeiros atuassem dentro da terra indígena. Além disso, é preciso investigar a falta de atuação dos agentes do Estado para impedir que esses crimes ocorressem na terra indígena.

“Você tem por um lado uma iniciativa privada estimulada por um discurso oficial e, por outro, o enfraquecimento do Estado brasileiro nessa área onde tinha que se fazer mais presente”.

Fatos concretos

Maia explicou que qualquer investigação precisará partir dos fatos concretos ocorridos nos locais, como as mortes ocorridas em cada comunidade indígena, os rios que foram contaminados e os equipamentos que estão sendo usados pelos garimpeiros, por exemplo.

A partir daí, é possível começar a identificar quem são as pessoas que atuaram na prática do genocídio yanomami. “Uma balsa, por exemplo, não desaparece, ela está lá, tem que ser documentada, registrada. E as pessoas que movem essa balsa? Aí já tem um conjunto material e os perpetradores que têm que ser identificados”, explica. 

Surucucu (RR), 09/02/2023 - Deslocamento de equipes da Força Nacional do SUS para atendimento em Surucucu, na Terra Indígena Yanomami. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Deslocamento de equipes da Força Nacional do SUS para atendimento em Surucucu, na Terra Indígena Yanomami – Fernando Frazão/Agência Brasil
 

Em paralelo, é preciso também investigar os órgãos governamentais que atuam ali, como as unidades de saúde ou as entidades de fiscalização, a fim de apurar a responsabilidade dos agentes do Estado.

“Você precisa começar a investigar a unidade de saúde indígena e unidade da Funai locais. O que é que esses atores fizeram? Deparando-se com um problema que era maior do que eles, o que eles fizeram? Comunicaram aos escalões superiores? E os escalões superiores, o que fizeram? Foram subindo no nível hierárquico para comunicar a ocorrência de um dano sério e grave que estava acontecendo contra os índios? Há uma necessidade de ir ampliando e subindo a cadeia de comando, até que você consiga efetivamente responsabilizar as pessoas não só que tenham feito como tenham deixado de fazer quando estavam no dever de fazer”.

Segundo Maia, de acordo com a Constituição, é um dever da União respeitar e proteger os índios. “Quando o Estado brasileiro retira o suporte material e humano de uma unidade proteção a territórios indígenas está deixando de proteger”.

Matéria atualizada às 09h03 para ajuste de informação

Via Agência Brasil

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