BRASIL

Documento do GSI com alerta ao Governo Federal sobre risco de ataques golpistas mobiliza pedido de CPI no Senado

Presidente Lula disse que não foi avisado por serviços de inteligência

Um relatório sigiloso enviado pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI) ao Congresso aponta que o governo foi informado sobre a possibilidade de haver ataques violentos em Brasília no dia 8 de janeiro. O alerta foi produzido pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), subordinada ao GSI, e compartilhado com órgãos federais dois dias antes da invasão às sedes dos Três Poderes. O documento tem sido usado para turbinar um pedido de instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os atos golpistas.

No relatório, a Abin informava que havia identificado a convocação de caravanas em diversos estados do país para que se deslocassem à capital. O texto revela que elas trariam “manifestantes com acesso a armas e com a intenção manifesta de invadir o Congresso Nacional”. Acrescentava ainda que “outros edifícios na Esplanada dos Ministérios poderiam ser alvo de ações violentas”.

O documento, enviado no dia 20 de janeiro à Comissão Mista de Controle de Atividades de Inteligência (CCAI), é assinado pelo ministro responsável pelo GSI, o general da reserva Gonçalves Dias, um dos personagens que saíram fustigados dos atos do dia 8 por não terem conseguido impedi-los. A revelação de que o relatório foi entregue a diversos órgãos do governo expõe o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Dez dias após os ataques, o petista criticou as autoridades responsáveis pelas forças de segurança e inteligência, inclusive o GSI, de Gonçalves Dias, conhecido como G Dias.

— Nós temos inteligência do GSI, da Abin, do Exército, da Marinha, da Aeronáutica, ou seja, a verdade é que nenhuma dessas inteligências serviu para avisar ao presidente da República que poderia ter acontecido isso. Se eu soubesse na sexta-feira que viriam 8 mil pessoas aqui, eu não teria saído de Brasília. Eu saí porque estava tudo tranquilo — disse Lula em entrevista à Globonews.

O alerta da Abin foi enviado a um sistema integrado por 48 órgãos, entre eles ministérios como o da Defesa, Casa Civil e Justiça. Algumas pastas, porém, alegam que não receberam a informação sobre os atos golpistas de 8 de janeiro.

O mesmo relatório também foi enviado a um grupo de WhatsApp formado por representantes de diferentes áreas do governo, conforme mostrou a revista “Piauí”. Contudo, uma parte da lista de contatos estava desatualizada, segundo a revista.

Procurada, a Abin disse que “é de responsabilidade dos integrantes do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) manter pontos focais atualizados para contato institucional”. O Ministério da Justiça disse que não sabia da existência desse canal de troca de informações. Procurado, o GSI afirmou que “somente se pronunciará após a conclusão dos trabalhos investigatórios” relacionados ao dia 8.

CPI

A informação de que o relatório da Abin está no Congresso tem sido usada pelos entusiastas de uma CPI para implementar a investigação. A estratégia desse grupo é implicar ministros do governo nas suspeitas de omissão por parte das autoridades durante os ataques do dia 8. O senador Espiridião Amin (PP-SC) diz que a chegada do documento ao Legislativo reforça a necessidade da uma investigação parlamentar.

— Pouco importa a frente. Devem haver investigações sobre omissões do governo federal nesse caso. O sistema de inteligência é brasileiro. O apagão registrado na inteligência federal é inegável. O Brasil precisa investigar a totalidade do que ocorreu no dia 8, em relação aos manifestantes e ao governo —argumenta.

Inicialmente, integrantes de partidos da base governista se mostraram favoráveis à CPI, mas recuaram após Lula dizer que era contra a instauração do colegiado.

— Se, por acaso, eles me pedissem um conselho, que é difícil pedir conselho, eu diria: ‘Não façam CPI, porque não vai ajudar’— afirmou o presidente em entrevista à GloboNews, acrescentando: —O que nós podemos investigar numa CPI que a gente não possa investigar aqui e agora? Nós estamos investigando, tem mil e trezentas pessoas presas. O que você pensa que a gente vai ganhar com uma CPI?

O senador Humberto Costa (PT-PE) diz que a existência do relatório não justifica, necessariamente, a abertura de uma CPI. Para ele, o documento e possíveis negligências devem ser investigados por órgãos competentes, como a Polícia Federal.

Outros alertas

Além do relatório que agora está em posse do Congresso, na véspera dos ataques, a Abin encaminhou ao Sistema Brasileiro de Inteligência, que congrega diferentes órgãos de inteligência da máquina federal, um comunicado para alertar que o cenário do acampamento bolsonarista instalado em frente ao QG do Exército em Brasília estava “recrudescendo” e que isso era motivo de preocupação. No mesmo dia, sábado à tarde, véspera dos atentados, a agência enviou outros dois boletins.

Um deles informava que 105 ônibus com 3.900 passageiros haviam desembarcado na capital federal. O outro relatava expressamente que “permaneciam a convocação e incitação para deslocamento até a Esplanada dos Ministérios para depredar prédios públicos”. Na manhã de domingo, conforme O GLOBO revelou, a Abin emitiu mais um alerta, reforçando que os bolsonaristas radicais planejavam depredar o patrimônio público e “promover atos violentos” nas sedes dos Três Poderes.

Não foi só a Abin que alertou sobre o risco de um ato golpista. No dia da ação terrorista, a Polícia Federal produziu um relatório em que apontou que simpatizantes de Jair Bolsonaro planejavam provocar “ações hostis e danos” ao “Congresso Nacional, o Palácio do Planalto, o Supremo Tribunal Federal”, além de “confrontar as Forças de Segurança”. Essas informações foram registradas em um ofício enviado ao ministro da Justiça, Flávio Dino.

O documento, assinado pelo diretor-geral da PF, Andrei Passos, ressalta ainda que os investigadores identificaram indivíduos dispostos a “tomar o poder” e que haveria homens “armados fazendo a segurança dos manifestantes”. Cerca de 20 horas após esse relatório, as primeiras pedras foram atiradas no Congresso, o primeiro alvo do grupo, numa ação que desencadeou com a invasão dos Três Poderes.

Via o Globo

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