Profissionais do Direito afirmam que indenizações mais baixas estimulam a prática de novos atos ilícitos
Uma consumidora do município de Boca do Acre (distante 1.028 quilômetros de Manaus), procurou à justiça contra a concessionária de energia, à época, devido à má prestação do serviço público. Quatro anos depois, a amazonense teve seu pedido julgado procedente, mas com uma indenização de R$ 500, as informações constam no Tribunal de Justiça do Amazonas (Tjam), conforme o processo n° 0003871-14.2013.8.04.3100.
Este é um exemplo de indenização ínfima, menor que um salário-mínimo, que alguns amazonenses estão recebendo e que foram definidas por alguns juízes do Amazonas. Os baixos valores de indenização aplicadas por juízes nas ações de danos morais têm trazido uma série de prejuízos e constrangimentos para a população, conforme reclamam advogados.
Em linhas gerais, a quantificação da indenização por danos morais segue critérios importantes para que se evite a fixação de valores ínfimos ou exorbitantes. São eles: a gravidade do dano, a sua extensão, a posição social e econômica das partes, às finalidades compensatória e punitiva da indenização, devendo ser esta suficiente para coibir novos abusos do ofensor, sem que, todavia, permita o enriquecimento sem causa do ofendido.
Conforme reclamam advogados, porém, em determinados casos, principalmente naqueles em que o agente ofensor possui histórico de condutas reprováveis, o que se vê é uma “padronização” de valores de dano moral.
Reunião na OAB
No dia 17 de agosto deste ano, advogados consumeristas (que atuam diante das relações de consumo) se reuniram junto com a presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Amazonas (OAB/AM), Dra Grace Benayon, para levar demandas contra as indenizações ínfimas, ou seja, as de baixo ou nenhum valor, que ignoram o caráter pedagógico dos danos morais e permitem que algumas empresas perpetuem práticas ilegais no mercado de consumo, além da litigância de má-fé impostas ao consumidor.
Durante a reunião, a presidente da OAB-AM, Dra. Grace Benayon, ouviu a todos e solicitou a formalização de todas as reclamações relatadas. Segundo ela, a situação é de muito interesse dos profissionais. “Precisamos procurar a solução para esse problema, buscando sempre a valorização da advocacia”, disse.
Ofensa dupla à vítima
Para o advogado Thiago Coutinho, a condenação em danos imateriais é valorada subjetivamente pelo juiz, mas segundo a doutrina do Direito, a indenização deve ser quantificada de forma a trazer reflexão ao infrator.
“Se quem pratica a conduta ilícita, muitas vezes pelo seu alto poder econômico, recebe uma punição em valor para ela insignificante, a pena deixa de cumprir o seu papel de desestimular a prática abusiva e acaba tendo efeito inverso. Em outras palavras, para quê investir em melhores métodos de atendimento, se posso apenas pagar um valor irrisório, depois de anos, apenas aqueles que percorreram a longa estrada do judiciário?”, enfatiza.
Na avaliação de Coutinho, outro efeito negativo é o desestímulo causado ao cidadão, que não vendo efetividade nas decisões judiciais acabam por abrir mão de seus direitos, pois sabe que o tortuoso caminho da justiça, nem sempre irá reparar adequadamente o seu dano.
Para ele, o intérprete do direito acaba, às vezes, cometendo equívocos, como tentar quantificar o dano pelo preço de determinado produto ou serviço contratado. “Essa não me parece a lógica mais adequada, veja, por exemplo, às vezes um medicamento comprado por cerca de R$ 10 pode trazer prejuízos morais irreparáveis. Ademais, por vezes o prejuízo moral decorre de um produto ou serviço que sequer é possível precificar direta e objetivamente”.
Um exemplo listado pelo advogado, processo n° 0627447-35.2014.8.04.0001, é que no ano de 2014, uma consumidora ficou tempo excessivo aguardando em uma instituição bancária em Manaus. Esta só teve decisão final favorável ao seu pedido indenizatório três anos depois, nas palavras do magistrado do caso fora: “a indenização deve ter um parâmetro razoável e compatível com a extensão do dano, desta forma, entendo que o valor de R$ 500 se mostra justo”.
“Curiosamente, a impressão que se tem é que as empresas mais demandadas judicialmente, como instituições financeiras e de telefonia, são aquelas que recebem as punições mais brandas e por práticas repetitivas. Daí fica a pergunta: cometem mais ilícitos por não serem punidas adequadamente?”, completa Coutinho.
“Não adianta desestimular quem procura à justiça”
Segundo o Juiz Cássio Borges, não adianta imaginar que vai sufocar a demanda dando indenização baixa para desestimular a pessoa procurar a justiça. Para Borges, o correto é dar indenização justa para desestimular quem viola o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e por meio desta ação, poderia sim cair a demanda, se houvesse mais procura e mais punição rigorosa.
“Um dos marcos no mundo democrático de acesso à justiça é o sistema de juizado especial brasileiro. Então não adianta você tentar criar jurisprudência defensiva de forma a sufocar o acesso à justiça para evitar que as pessoas demandem. Isso é uma coisa. Outra, fazer isso, é ir na contramão do princípio constitucional do amplo acesso à justiça e da proteção do consumidor”, revela.
Ele citou como exemplo os Estados Unidos. Mesmo com o federalismo forte deles, se alguém for condenado no Estado por uma prática contra o consumidor e torna-se condenado, mesmo que em outro estado pela mesma prática, a condenação é 100 vezes mais
“Não é qualquer banalidade que importa no dever de indenizar”
De acordo com a juíza Irlena Benchimol, a quantificação vai depender efetivamente da consequência do prejuízo imaterial com o objetivo de atenuar as perdas da vítima e evitar que o causador do dano volte a cometer novo ato, sem, contudo, importar em elevação patrimonial do ofendido.
“No entanto, não é qualquer banalidade que importa no dever de indenizar, mas circunstâncias que realmente atinjam a esfera não patrimonial da lesão de direito, como bem se infere nos art. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal. Assim, em caso de ofensa a direito da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem entre outros e que gere ao ofendido dor, vexame, humilhação ter-se-á o chamado dano moral”, revela.
Para Benchimol, o dano moral tem natureza personalíssima e em caso de insatisfação com o julgado, cabe à parte interessada interpor os recursos cabíveis. “Assim, cada indivíduo que se sentir lesado pode pleitear a sua reparação e o valor da indenização vai depender da análise da situação concreta”.
Segundo a juíza, o arbitramento deve observar, objetivamente, critérios de razoabilidade, a gravidade da lesão, a situação econômica das partes. “Cabe ao juiz aplicar a indenização a cada caso concreto, observando princípios, entre eles o da legalidade e da isonomia”.–
Rebeca Mota
Jornalista
(92) 98433-6251