Homem ficou seis dias preso arbitrariamente, o que contraria a lei e o entendimento do STJ de que magistrados não podem decretar prisão sem pedido das partes envolvidas
A Defensoria Pública do Amazonas (DPE-AM) obteve decisão favorável no Superior Tribunal de Justiça (STJ), na quinta-feira (24), para garantir a liberdade de um homem preso por determinação irregular de um julgamento. Em audiência de custódia, a autoridade judiciária decidiu manter o homem preso preventivamente mesmo com parecer do Ministério Público do Amazonas (MPAM) pela soltura.
Por entendimento do STJ e com base na lei 13.964/2019, não é mais possível ao juiz decretar ou converter prisão em flagrante em prisão preventiva, sem que haja um pedido de alguma das partes.
Neste caso, o MPAM e a DPE-AM conseguiram se manifestar contrários à prisão do homem, com a aplicação de medidas protetivas, considerando que ele havia sido preso em flagrante em contexto de violência doméstica. Ainda assim, a juíza responsável pelo caso determinou, ilegalmente, durante uma audiência de custódia, que o homem fosse preso, no dia 20 deste mês.
O processo chegou a ser analisado em segunda instância, durante o plantão do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM), que manteve a decisão. A DPE-AM, então, recorreu ao STJ e o pedido liminar do habeas corpus foi aceito pelo relator, ministro Sebastião Reis Júnior.
“No caso concreto, não há pré-requisito do Ministério Público, que durante a audiência de custódia se manifestou contrariamente à prisão do paciente (fl. 68), tendo o Juízo de primeiro grau, ao homologar a prisão em flagrante, decretado a prisão preventiva do réu, de ofício, o que, conforme entendimento jurisprudencial, deixou de ser admitido pela legislação processual penal em vigor”, o ministro em trecho da decisão.
Ao todo, o homem passou seis dias preso de forma ilegal.
Em situações como esta, a Defensoria Pública atua para garantir o devido processo legal de pessoas em situação de vulnerabilidade, conforme explicação do defensor público responsável pelo caso, Maurilio Casas Maia. “Na situação concreta, houve um descumprimento de uma súmula muito recente do STJ, que foi divulgada em dezembro de 2024”, explicou.
“A Defensoria necessitou não apenas formular seu pedido ao juiz plantonista como o Tribunal de Justiça do Amazonas e, como se trata de uma situação urgente, já que se tratava de uma prisão indevida proferida em plantão, necessitou com urgência chegar até o Superior Tribunal de Justiça em Brasília e obteve, no quinto dia de tramitação, uma decisão de habeas corpus para a soltura do cidadão, mediante aplicação de medidas cautelares e protetivas à vítima”,.
A Defensoria Pública acompanhou o caso em cada etapa para garantir que houvesse liberação. Superadas as burocracias institucionais, o homem foi solto a partir da atuação da DPE-AM. “Diligenciamos junto à unidade prisional, junto ao setor de estatística, para confirmar a coleta do alvará de soltura e se seria dado cumprimento naquele mesmo dia. Recebemos a informação de que estava tudo certo e de que ele seria solto no sábado (26)”, explicou o defensor público Nairo Aguiar, que atua na 3ª Defensoria Pública de 1ª Instância de Atendimento Prisional.
Súmula 676
No dia 17 de dezembro do ano passado, a Terceira Seção do STJ, especializada em direito penal, aprovou a Súmula 676, autorizando que, na razão da lei 13.964/2019, “não é mais possível ao juiz, de ofício, decretar ou converter prisão em flagrante em prisão preventiva”.
As súmulas são resumos de entendimentos consolidados nos julgamentos e servem para a orientação da comunidade jurídica a respeito da jurisdição do tribunal.
Prática recorrente
O caso de prisão ilegal não foi o único registrado recentemente no Amazonas. No último plantão judiciário, outro homem chegou a ser preso nas mesmas situações, sem o pedido do MP. A acusação refere-se a uma tentativa de furto, considerada um delito sem violência ou grave ameaça. MP e DPE-AM concordaram em libertar o acusado para responder em liberdade, com medidas cautelares diversas da prisão. Apesar disso, na audiência de custódia, o magistrado responsável converteu a prisão em flagrante em prisão preventiva.
“A decisão sem uma provocação da autoridade, que acaba decidindo de ofício, invalida todo o sistema penal acusatório. Por conta disso, o STJ tem reconhecido esses tipos de decisões como nulas, portanto, uma decisão inválida. Nós buscamos junto ao Tribunal de Justiça, seguindo uma escala hierárquica dentro do Judiciário, superior ao juiz, que são os desembargadores, para que eles avaliem por meio dessa ação de impugnação, que é o habeas corpus, para que avaliem a possibilidade de anular a decisão e, com isso, restaurar a liberdade da pessoa”, explicou o defensor público Diego Luiz, plantonista responsável pelo caso.
O defensor disse que essas decisões chamadas “de ofício” têm se tornado recorrentes nos últimos anos. A DPE-AM vem convidando com celeridade para reverter o posicionamento ilegal de alguns magistrados que seguem acordados contra o entendimento do STJ.
“Em casos como esse, a Defensoria do Amazonas já vem conseguindo outras medidas iguais. Desde 2021, nós trabalhamos essas ilegalidades no Tribunal de Justiça do Amazonas, subindo para o STJ. No STJ, conseguimos a correção dessas ilegalidades. De 2021 para cá, o Tribunal de Justiça do Amazonas, por algum dos seus relatores, tem concessão liminar nesse mesmo sentido, para corrigir essas ilegalidades de prisão dada de ofício. Casas Maia atuou, o Tribunal de Justiça não corrigiu, e foi necessário acionar o STJ”, destacou.
Texto: Thamires Clair
Foto: STJ/divulgação
