Após mais de dez dias bloqueando BR-163 contra marco temporal, indígenas Munduruku entregam carta a caminhoneiros
Acampados em Itaituba (PA), manifestantes pressionam STF; Gilmar Mendes marcou reunião com Apib para tratar do assunto

No 11º dia de mobilização pela revogação da lei 14.701, que oficializa o marco temporal, os indígenas Munduruku entregaram, nesta sexta-feira (4), uma carta aos caminhoneiros na BR-163, rodovia bloqueada pelos manifestantes. Segundo a tese do marco temporal, indígenas só podem ter demarcadas as terras ocupadas por eles até 1988, ano da promulgação da Constituição.
Intitulado Carta às comunidades e a todos que querem entender a nossa luta, o documento apresenta, brevemente, os motivos do protesto. “Vivemos em nossos territórios e testemunhamos a contaminação ilegal do garimpo, a degradação de nossas roças, a mudança do clima, a seca de nossos poços e rios. Estamos vendo a fome chegar aos nossos mais velhos e às nossas crianças”, diz a carta.
Os indígenas bloquearam a rodovia, no município de Itaituba (PA), no dia 25 de março, na véspera da retomada da audiência de conciliação do Supremo Tribunal Federal (STF), que debate uma proposta alternativa ao marco temporal, rechaçada pelos indígenas. Inicialmente marcada para o dia 26 de março, a audiência foi reagendada para o dia 27.
No início da mobilização, cerca de 90 manifestantes se organizavam para manter a rodovia bloqueada, impedindo a passagem de veículos. Atualmente, são quase 200 pessoas alojadas em barracas na região da BR-163 e organizadas em turnos para manter o bloqueio. Durante a noite, o tráfego é liberado. Ambulâncias, veículos com pessoas doentes e carros de passeio têm passagem livre o tempo todo.

O grupo tem um barracão perto da área do bloqueio como ponto de apoio para descanso, alimentação e diálogos. Eles afirmam que só liberarão totalmente a via quando foram ouvidos pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, proponente da comissão de conciliação que produziu um anteprojeto de lei substitutivo ao marco temporal. Em troca de extinguir o marco temporal, a proposta do decano do Supremo prevê mineração em Terras Indígenas (TIs), obstáculos no processo de demarcação, indenização a fazendeiros pelo valor da terra nua e uso da Polícia Militar em despejos de retomadas.
Segundo nota enviada pelo gabinete do ministro, Gilmar Mendes se reunirá no próximo dia 8 de abril, às 17h30, com representantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e lideranças Munduruku para tratar da situação. “O encontro foi solicitado pela Apib e o gabinete prontamente garantiu uma data para que os representantes sejam ouvidos pelo ministro”, afirma o texto.
A comissão é formada majoritariamente por defensores dos interesses ruralistas e isso é mais um ponto de crítica do movimento indígena. Na primeira etapa das audiências no STF, realizada em 2024, o movimento indígena se retirou por considerar o espaço ilegítimo.
BR-163 e ameaças às Terras Indígenas
O ponto escolhido para o bloqueio fica na sobreposição entre as rodovias BR-163 e BR-230, a Transamazônica. A BR-163 é a principal via de transporte da soja colhida no Mato Grosso até os portos instalados na margem do rio Tapajós, em Miritituba, distrito de Itaituba.
“Estamos aqui porque já fizemos de tudo para ser ouvidos pelos ministros e pelo Estado. Não tivemos resposta. Infelizmente, eles só ouvem quando são incomodados”, informa a carta entregue aos caminhoneiros.

Por dia, transitam por ali cerca de 1,8 mil caminhões transportando grãos. Os portos instalados por grandes empresas do agronegócio na margem do rio Tapajós prejudicaram a pesca, a locomoção e o lazer dos indígenas e outras populações daquela área.
O território onde vivem os indígenas Munduruku acumula ameaças e violações aos direitos dos povos que ali habitam. Itaituba é o município com a maior área de garimpo do Brasil, de acordo com dados da plataforma MapBiomas, que realiza monitoramento por satélite. Uma parte dos garimpos está no território indígena, cujo processo de demarcação não foi concluído.
A área, transformada em corredor logístico de transporte de grãos, teve as ameaças ampliadas, com aumento de desmatamento, grilagem de terras e interferência nos modos de vida das comunidades tradicionais. Agora, os indígenas temem a chegada na ferrovia E-70, a Ferrogrão, também destinada ao escoamento de soja. O empreendimento deve levar ainda mais impactos socioambientais para uma área que já enfrenta uma série de problemas, de acordo com estudos desenvolvidos por organizações da sociedade civil, conforme noticiou o Brasil de Fato.
Via Brasil de Fato
Saiba mais: